sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O Escafandro e a Borboleta

   É só uma ideia, eu sei, mas tendo ultrapassado um pouco os meus 30 anos de idade, começa a martelar em meus pensamentos o que de importante para a sociedade, em qualquer setor, quer seja político, econômico, artístico ou mesmo no âmbito de saúde pública, a minha simples, e não tão pretensiosa assim, existência poderá ou haverá de deixar. Eu sei, é só uma ideia, mas será mesmo que a maioria das pessoas passa por esta vida sem deixar algo de importante para as outras pessoas? Será que somente alguns são os abençoados e se tornam imortais, aqui mesmo, entre os homens? Você que está lendo pode até estar pensando: - Puxa, com somente 30 e pouquinhos anos uma pessoa se preocupar com isto; tem tanto tempo pela frente ainda... Será? Há tantos exemplos de grandes indivíduos que passaram por este mundo e que se tornaram tão gigantes que foram quase capazes de atingir a 'capa do céu'... E muitos deles, muitos mesmo, não viveram tanto tempo assim e nem por isto deixaram de ser eternos entre nós enquanto reverberação de sua obra, tamanha é a importância que ainda damos para esta. E será que tem a ver com a questão da imprensa, da tão citada 'mídia'? Será que muitas vezes o indivíduo que se tornou eterno nem era tão magnífico assim, e que tudo se deveu por causa do impulso de críticos, de jornais, ou coisas do tipo? Nos até agora poucos anos de minha existência, já tenho percebido que a imensa maioria daquilo que só se torna grande graças à propaganda de mídia, e não muito pela competência do criador, acaba se tornando igual a 'música de verão': vem, chega ao nosso conhecimento, tem o seu papel de entretenimento, muitas vezes bem executado, mas acaba fadado ao esquecimento, e anos depois nos recordamos daquilo, quando nos recordamos, de forma nostálgica, mais para ajudar a memória por alguma outra coisa que se deu na mesma época em que você teve contato com o mesmo. Mas, atenção, não estou, de forma alguma, desmerecendo o papel da mídia, da imprensa; não se trata disto! Muito pelo contrário: ela tem um papel tão importante no sentido de nos trazer ao conhecimento obras, criações, em qualquer âmbito que se possa imaginar, e ser a porta de entrada para muito do que nos acaba moldando; o problema é que, muitas vezes, não há um filtro, e muita coisa importante e digna de nota não chega ao nosso conhecimento, até porque devem existir aos montes. 
   Bom, mas a ideia desta postagem é manter o foco no criador e sua criação. Referia-me ao fato de que, para alguns, pode gerar uma certa angústia quando se pensa que existem tantos imortais, pessoas grandes, que ao longo de nossa vida vão alimentando a nossa personalidade, moldando o nosso ser, e que muitos de nós, que ainda vivemos, não deixamos a tão citada 'marca' para a posteridade; para outros, a preocupação pode ser simplesmente seguir a rotina, e viver esta breve temporada por aqui apenas para esta vida mesma, no máximo pensando em mais uma ou duas gerações dos seus (a questão da família será também comentado mais adiante). Apesar de buscar sempre levar uma vida mais equilibrada, sou forçado a expor que a minha balança pende mais para o primeiro caso (mas acrescento que a família é algo muito importante para mim). Em sendo assim, tentarei citar brevemente alguns exemplos que alimentam este anseio (sempre de forma benéfica, claro, nunca de forma doentia), e estes três criadores de que tratarei são como algumas das estrelas que muito brilham no firmamento, e que, apesar de já terem perecido, brilharão por muito e muito tempo diante de nossos olhos. Há apenas um detalhe: nenhum deles chegou aos 40 anos de idade!!!
   O primeiro exemplo é o de um dos compositores românticos mais importantes que habitaram este planeta: Fryderyk Franciszek Chopin. Este compositor polonês, ainda em vida, foi famoso em Paris, na França, e acabou tendo o seu nome 'afrancesado' para Frédéric François Chopin. Ele nasceu em 1810 na vila de Zelazowa Wola, pertencente ao ducado de Varsóvia, onde cresceu e teve sua formação musical, mas por conflitos no país, acabou deixando a cidade aos 20 anos como parte da grande emigração polonesa devido ao levante de 1830 contra a Rússia. O compositor criou a balada instrumental e aperfeiçoou muitas das peças para piano, como as sonatas, mazurkas (uma dança folclórica polonesa), os noturnos (suas peças mais aclamadas e famosas), as valsas, as polonesas (uma dança polonesa de andamento um pouco mais lento), os estudos, os improptu (uma espécie de execução livre ao piano, como um improviso inspirado pelo momento), os scherzos e os prelúdios. Compôs ainda alguns rondós, canções e variações, algumas obras que se classificam em uma miscelânea (como bolero, fantansia, barcarolle, berceuse, ecossaise, entre outros). O conjunto de sua obra é muito importante para a história da música, e é de uma beleza ímpar no campo artístico. Chopin era um músico retraído, introspectivo, e se apresentou em grandes teatros poucas vezes em sua vida, preferindo sempre apresentações menores em pequenos salões, e a sua música é o próprio piano; depois de sua existência, o piano nunca mais foi o mesmo... Em sendo assim, existem poucas obras de orquestra compostas por ele; mas, destas, duas são extremamente importantes e de um brilho magnífico: os dois Concertos para piano (aqui, só uma rápida explicação para leigos: Concerto é toda peça de orquestra em que o foco é um instrumento que executa uma parte solo, e o solista é o 'herói' da apresentação, e em geral recebem cachês astronômicos, por isto, existem concertos para piano, concertos para flauta, concertos para oboé, concertos para violino, concertos para clarinete, etc.; Sinfonia é toda peça de orquestra em que não se destacam instrumentos em particular, e a composição se dá para a orquestra como um todo. Nos Concertos, em geral há três movimentos: o primeiro de andamento um pouco mais rápido, o segundo mais lento e o terceiro novamente mais rápido, muitas vezes o mais rápido; nas Sinfonias, em geral há quatro movimentos: um primeiro vivaz e jovial, um segundo lento e lírico, um terceiro dançante e um quarto impetuoso. Apesar destas definições, existem variações mesmo nas estruturas e no número de movimentos em ambas as peças).


Frédéric François Chopin (1810-1849)

   Dos seus dois Concertos, o primeiro em definição, mas o segundo em cronologia de composição, é intensamente lírico e majestoso. Quando compôs o Concerto para Piano n. 1 - Opus 11, em E menor (Mi menor), ele ainda nem havia chegado aos 20 anos de idade completos. Ele o dedicou a um pianista alemão muito famoso na época, Friedrich Kalbrenner, e o apresentou em Varsóvia antes de deixar a cidade rumo a Paris, em 1830. O Concerto tem três movimentos: o primeiro é em andamento Allegro maestoso, o segundo em Larghetto (o famoso Romanze) e o terceiro em Vivace (o Rondo). As expressões em italiano usadas para descrever os andamentos referem-se à velocidade de execução dos compassos da partitura; assim, o Allegro é mais rápido que o Larghetto, que é mais lento que o Vivace. As performances desta peça geralmente duram em torno de 40 minutos. Sem querer me ater ao lado muito técnico da composição, é válido dizer que o primeiro movimento tem três temas que vão sendo executados e retomados ao longo da execução, e é muito belo; o segundo movimento, o mais bonito e sublime de todos, parece realmente acalmar a alma (o próprio compositor, em uma de suas cartas, expressa sua intenção com este movimento, que era 'escrever algo contemplativo do ponto de vista de um olho imóvel que repousa sobre uma paisagem adorada e que traz à alma belas lembranças, como uma noite de primavera ao luar'. Nesta ideia, o movimento lembra a estrutura de um Noturno); o terceiro movimento é baseado na dança folclórica polonesa Krakowiak (da região da Cracóvia) e exprime grande vitalidade.


Túmulo de Chopin, no Cimitière du Père Lachaise, em Paris, França
 
   Ao longo de sua vida após a composição destas duas peças para orquestra, Chopin dificilmente voltou a compor algo que não fosse para o piano solo. A maior parte de suas peças é muito famosa, deleita mesmo os ouvidos menos iniciados, e é fantástico como se vai descobrindo a beleza de sua obra quando se escuta algumas destas peças que antes não se conhecia, quando se vão descobrindo cada vez mais a fundo as suas criações. Quando morreu, vítima de complicações de tuberculose, tinha apenas 39 anos... Foi enterrado em Paris, lá no mesmo cemitério de Oscar Wilde e de Jim Morrison. E, repito, ele não tinha nem 20 anos completos quando compôs o referido Concerto... Deixo um vídeo do Concerto abaixo, que é grandioso em sua totalidade, mas se os 40 minutos da execução não couberem no seu tempo, leitor, assista ao vídeo seguinte, que é só o sublime segundo movimento, o Romanze.






   O segundo exemplo que pretendo comentar um pouco é o de uma autora que morreu aos 30 anos de idade, mas ainda assim se eternizou entre nós. Numa época em que se escutava música por fita K7, ainda morando em Mossoró, uma banda paulista começava a despontar no exterior e no nosso país com rock cantado em inglês. A primeira música do Angra que me chegou aos ouvidos nem era deles, mas pertencia ao álbum de estreia do grupo, chamado de Angel's Cry. Naquela época, em 1994, quando tinha 13 anos, escutei Wuthering Heights e rapidamente fiquei muito tocado pela música; um rock leve executado pelo Angra, com uma voz muito complexa mas bem cantada por Andre Matos, e, numa época em que a internet era coisa de grandes empresas pelo mundo, logo fui pesquisar sobre tudo da música, checar a letra, de onde vinha, o que queria dizer o título, etc.. E isto foi muito mais difícil do que é hoje... Por um tempo, gostei muito do grupo, e hoje acho este CD e os dois que o seguiram muito especiais; depois, a banda se desfez, a formação original mudou e nem acompanhei tanto o desenrolar dos fatos e os álbuns seguintes. Mas, não gostaria de falar da banda, nem da música, mas de Emily Jane Brontë, que nasceu em 1818 em Thornton, Yorkshire, na Inglaterra. Esta escritora inglesa, de uma família famosa de autores (incluindo sua irmã, Charlotte Brontë, que escreveu o famoso romance Jane Eyre), escreveu um único romance: Wuthering Heights. O título vem de uma mansão nos campos de Yorkshire na história. No Brasil, foi traduzido como O Morro dos Ventos Uivantes; esta tradução já nos apresenta uma espécie de atmosfera para o romance, e este título sombrio é muito como a história é de fato. Quando comecei a ler sobre a letra da música, logo quis adquirir e ler o romance. Os versos da canção são como uma espécie de resumo da trama do livro, e isto eu descobri ao lê-lo.


Emily Brontë (1818-1848)

   Embora tenha começado a escrever poemas e outras pequenas estórias cedo, por volta dos 13 anos, Emily Brontë só escreveu Wuthering Heights entre 3 e 2 anos antes de sua morte, e o livro foi publicado um ano antes desta. Ao lançamento, gerou um sentimento controvertido entre os críticos por causa da sua narrativa de episódios de crueldade física e mental. É, hoje, considerado um clássico da Literatura Inglesa, e geralmente julgado superior a Jane Eyre. Não é o meu desejo discutir sobre a trama do livro, até porque é tema para uma outra postagem, mas o livro é tão grandioso, de um imaginário tão elaborado e até mesmo com requintes de sobrenaturalidade que, ao final, é como se os personagens principais, Heathcliff e Catherine Earnshaw (Cathy), tivessem de fato existido. Este é o poder da boa Literatura!!! O livro inspirou filmes, músicas, um musical, três óperas, ballets, programas de rádio e TV. É eterno, sem dúvida!


Capa de uma das edições de Wuthering Heights

Capa da adaptação de 1992, num filme com Juliette Binoche e Ralph Fiennes

   Depois, descobri que a música Wuthering Heights foi composta por Kate Bush, uma cantora inglesa, e, em 1978, na sua própria voz (ela com somente 19 anos), com o lançamento do seu primeiro single, atingia o topo das paradas britânicas. A complexidade da música está essencialmente na tonalidade vocal, e a melodia algumas vezes sombria com a letra consistente com a estória do livro dão a atmosfera perfeita para o romance. É brilhante! Deixo duas versões da música: a do Angra, de que gosto mais, e a de Kate Bush.








   Quando morreu, vítima também de tuberculose, Emily Brontë tinha somente 30 anos, como já dito.
   O último dos exemplos é bem mais recente, e também me lembro bem da primeira vez que me deparei com ele. Renato Manfredini Júnior, eternizado como o gigante Renato Russo, nasceu no Rio de Janeiro em 1960. Quando ainda em Mossoró, minha querida cidade-natal, por volta dos 13 anos, trabalhando num jornal local, a Gazeta do Oeste (sim, nesta época eu era envolvido com Informática, e trabalhei no jornal dando assistência aos computadores que eram utilizados nos diversos setores do mesmo; hoje, considero que foi um período muito importante da minha vida... Mesmo nesta época, queria ser médico, e nunca mudei de opção depois que escolhi esta profissão; mas, no jornal, tive contato com várias pessoas, de todas as idades, e eu era o mais jovem entre eles. Lá, tive contato com pais de família, com outros jovens, com o editor-chefe, com políticos, com o pessoal da tipografia, com a forma como o jornal é criado, diagramado, impresso, com as matérias que são notícia em si, com outras que são criadas em colunas de opiniões, com as novidades no meio artístico, locais, nacionais e internacionais... Fiz grandes amigos. Existia, inclusive, um funcionário do jornal cuja vida podia virar um livro... hehe Na impressão, trabalhando nas madrugadas, um esforçado e jovem funcionário era apaixonado por Xadrez, e vi o seu crescimento no jogo ao longos dos poucos anos em que estive por lá, hoje sendo um grande mestre local, talvez até regional, do esporte... Bom, mas esta é uma outra história...), eu escutei pela primeira vez ao Legião Urbana. A primeira música que ouvi foi Que País é Este; ora, para um adolescente ouvir um rock nacional apelativo e consistente com os questionamentos dos jovens diante da política no país, aquilo era demais!


Renato Russo (1960-1996)

   Com o meu primeiro salário, comprei uns 3 CDs do grupo e, daí por diante, passei a conhecê-los a fundo, virando um grande fã, e me impressionava como Renato Russo sabia expressar perfeitamente o que qualquer jovem à época gostaria de dizer. Fui percebendo ao longo da carreira do grupo que da busca pela verdade consistente, dos questionamentos existencialistas e do sofrimento da alma do ser humano é que surgiram as mais belas músicas compostas pelo poeta!


Capa do álbum V, do Legião Urbana

   Como suas músicas eram marcantes! E o português tão bem aplicado, tão sonoro, como se a mostrar porque é uma das línguas mais belas do mundo, com frases realmente perfeitas! Muito prominente, sem dúvida! Vítima de complicações da AIDS, como todos sabem, Renato Russo faleceu em 1996, aos 36 anos. Não preciso dizer a marca que ele deixou... Embora seja muito difícil eleger as músicas preferidas da banda (eu me arrisco em três: Metal Contra as Nuvens, Andrea Doria e Giz), para os fins desta postagem, uma de suas músicas do álbum V é das mais brilhantes, e tudo o que ele disse nela é muito profundo, ainda que dito de forma simples, e são constatações que geram remitentes reverberações. A música? O Teatro dos Vampiros. Na minha humilde opinião, os versos mais bem colocados são: 'Este é o nosso mundo / E o que é demais nunca é o bastante / E a primeira vez é sempre a última chance / Ninguém vê onde chegamos / Os assassinos estão livres; nós não estamos'. Deixo a versão original, de estúdio, com um andamento um pouco mais rápido e o solo de entrada meio trovadoresco e uma versão do Acústico da banda. Ambas são muito bonitas!






   Bom, após uma breve discussão com os estes três exemplos, de grandes nomes que passaram rapidamente por este mundo mas deixaram uma profunda marca, que irá ainda reverberar por muito e muito tempo, há um outro lado, não o lado oposto ou inverso, mas um outro ponto de vista. Com esta vontade que muitos têm de fazer alguma coisa realmente importante para as outras pessoas, para a sociedade, espanta-me muito o fato de muitos de nós não cultuar as gerações anteriores de nossas próprias famílias, de nosso sangue. Eu mesmo nem bem sei quem foi o meu bisavô, e menos ainda o que veio antes dele... Quantas coisas importantes eles não devem ter feito, criado! Não tenho dúvida de que, sim, fizeram algo de muito importante em suas existências... E é no mínimo estranho que o reconhecimento não comece com uma boa e sólida base dentro da própria linhagem. Eu imagino como se os nossos antepassados e a nossa descendência fosse uma espécie de linha vertical, enquanto a nossa relação e feitos para os outros indivíduos da sociedade fosse uma linha horizontal, e acredito que quanto mais consistente e maior for o verdadeiro conhecimento desta linha vertical, mais podemos nos expandir na linha horizontal... Isto parece que não é importante? Então, como poderíamos simplesmente querer deixar grandes feitos se nem ao menos existíssemos, e para que possamos existir, alguém veio antes de nós... Só existimos graças aos nossos antepassados imediatos, mediatos e distantes...
   Quando assistindo algumas das aulas de um dos maiores filósofos da atualidade, o Professor Olavo de Carvalho, arrepiei-me quando ele falou uma vez que a humanidade ter prosperado e vingado é quase um milagre: ora, somos um dos poucos seres que, ao nascer, somos COMPLETAMENTE dependentes de nossos geradores. Nascemos como um HD vazio, formatado, sem saber andar (não podemos caçar), não sabemos falar, ler ou escrever, e se deixados sem amparo, facilmente perecemos... É verdade! Com um pouco de material genético dos nossos antecedentes, que vem passando e se fragmentando cada vez mais de geração a geração, sei que, apesar de não ser possível conhecer muitos dos meus antepassados, do mesmo jeito que herdamos traços, jeitos e manias de nossos pais, muito poderíamos entender de nossas próprias percepções do mundo conhecendo quem foram os que vieram antes de nós. Se isto não parece tão importante assim, por que será que se sabe tão bem e a fundo a linhagem dos reis e rainhas de muitos dos países da Europa (onde eles foram mais importantes)? E por que muitas vezes há uma espécie de conotação divina nestas linhagens? Ora, para os pesquisadores, isto faz parte da História, e este tipo de conhecimento ajuda a entender muito de um povo, da cultura de um país, do que se pode melhorar, etc.. Então, sabendo mais da minha antecedência, certamente isto ajudará a desenvolver a compreensão de mim mesmo enquanto indivíduo, a minha História. E acho que isto é muito importante! Acho que tão grande quanto a angústia de saber se irei deixar ou não algo grande para a sociedade é a angústia de não saber muito dos meus antecessores um pouco mais distantes! Este deve ser um objetivo para uma vida melhor! É mais ou menos como se quiséssemos deixar alguma marca para as outras pessoas, ser imortal, sem saber do que foi deixado antes por nossos familiares... E certamente encontraremos muitas grandiosidades! E será que dá pra perceber que sem esta espécie de culto à nossa própria família a vida fica com um certo vazio, perde um pouco do sentido? Para mim, acho que sim.


O Prof. Olavo de Carvalho, um dos maiores filósofos da atualidade

   Existiu um historiador francês chamado de Numa Denis Fustel de Coulanges, que nasceu em Paris em 1830 e deixou sua magnum opus: A Cidade Antiga, publicada pela primeira vez em 1864. No livro ele mostra a força da religião na evolução política e social da sociedade grega e romana. Na obra, ele vai mostrando como a religião pagã acaba sendo o grande motor do desenvolvimento político-jurídico dos povos citados; os escritos e pesquisas são tão consistentes, tão engenhosos, e a escrita com um estilo primoroso, que é tido como uma das obras-primas do idioma francês no século XIX. E, sabendo que estes povos influenciaram fortemente toda a sociedade do mundo Ocidental, é interessante notar que, no princípio, eles cultuavam a alma dos homens mortos. A religião era doméstica, e cada casa cultuava seus próprios mortos, havendo uma espécie de fogo sagrado como a representar a alma dos seus antepassados; os rituais somente poderiam ser presididos pelo pater de cada família, nunca por alguém de fora. Assim, o pai tinha função de chefe, sacerdote e juiz. Disto decorre que somente ele poderia ser considerado cidadão e, portanto, ter direitos, principalmente o direito a propriedades. A sua principal função era a de cultuar os seus antepassados e de dar continuidade a sua linhagem (o celibato era, portanto, proibido). As cidades antigas, desta forma, poderiam ser comparadas a uma grande família: o seu fundador era cultuado, bem como um ancestral. E a lei somente acabava atingindo aqueles que apresentassem um culto a um antepassado. E daí começam a surgir a ideia de vários deuses e, obviamente, muitos outros delineamentos vão sendo discorridos na obra. Mas percebe-se a importância que se dava aos antepassados, e como isto fortalecia cada um dos povos, cada uma das famílias!


Fustel de Coulanges (1830-1889)

Uma das capas do livro A Cidade Antiga

   Em outro campo da arte, quem não se lembra do filme Inimigo Meu (Enemy Mine), de 1985, dirigido por Wolfgang Petersen? No filme, um homem acaba caindo num planeta estranho após uma guerra entre os humanos e uma raça alienígena, os Dracs. Apesar de serem inimigos, o homem, vivido por Dennis Quaid, e um alienígena, vivido por Louis Gossett Jr., acabam se unindo para sobreviver e se tornam grandes amigos. O filme tem uma trama interessante e muitas discussões sobre o que seria mais importante na vida. Ao longo do filme, um vai aprendendo a linguagem e a cultura do outro, e para passar o tempo, o alienígena recita para o humano toda a sua linhagem... E ele estranha que os humanos não saibam recitar toda a sua linhagem, estranha que isto não seja importante entre os terráqueos. O alienígena acaba ficando 'grávido' (os Dracs se reproduzem de forma assexuada) e vem a falecer no parto, mas antes de morrer faz o humano prometer que levará o seu filho para o planeta natal deles e recitar toda a sua linhagem para que possa ser aceito na sociedade dos Dracs. Interessante que no filme, para ser aceito pela sociedade, os alienígenas precisam saber quem são, de onde vieram, se conhecerem... Isto é realmente interessante!!!


Um dos cartazes do filme Inimigo Meu, de 1985




   Após estas discussões sobre a importância do que deixamos aqui neste mundo, deixe-me tentar fazer a conexão disto tudo com o que se pode ver num grande filme que foi lançado e aclamado em 2007. O Escafandro e a Borboleta (The Diving Bell and the Butterfly, em inglês, e Le scaphandre et le papillon, do original em francês) é baseado em um livro homônimo autobiográfico de Jean-Dominique Bauby lançado em 1997. O filme retrata a vida deste após ter sofrido um grave Acidente Vascular Encefálico (AVE), de forma leiga chamado de derrame, em 8 de dezembro de 1995, tendo, então, 43 anos. Após este AVE ele desenvolve uma condição conhecida como Síndrome de Encarceramento (em inglês, Locked-In Syndrome), em que fica plenamente consciente mas sem conseguir se mexer do pescoço para baixo e sem conseguir utilizar boa parte da musculatura facial, sem conseguir falar ou mexer mesmo a cabeça (ele ouve, enxerga e só consegue fazer um movimento: o de piscar os olhos; no filme, os médicos acabam ocluindo o olho direito devido à má irrigação deste e o risco de infecção). Tendo sido dirigido por Julian Schnabel, e com Mathieu Amalric no papel principal (interpretando Bauby), o filme ganhou dois Globos de Ouro (melhor Filme Estrangeiro e melhor Diretor), ganhou o prêmio de melhor Diretor no Festival de Cannes, prêmios BAFTA e César, além de ter recebido quatro indicações ao Oscar.



Uma das capas do filme O Escafandro e a Borboleta



   O filme é desenvolvido de forma muito interessante. O primeiro ponto-de-vista é a do próprio Bauby, acordando após 3 semanas em coma em um hospital em Berck-sur-Mer, na França. A visão como em primeira pessoa apresenta um neurologista falando para ele sobre sua condição e são apresentados os pensamento de Bauby, que pensa estar falando, mas ninguém o ouve... Uma fonoaudióloga e uma fisioterapeuta acabam desenvolvendo um sistema de comunicação em que o doente possa se tornar o mais funcional possível. Gradualmente, o ponto-de-vista vai mudando, e passamos a ver Bauby em terceira pessoa. Descobrimos que ele foi editor da revista Elle francesa e que ele havia se comprometido com uma editora a escrever um livro sobre O Conde de Monte Cristo, mas de uma perspectiva feminina. Ele decide que ainda irá escrever um livro utilizando esta forma de expressão que ele acaba aprendendo a usar somente piscando o seu olho esquerdo, e uma mulher da editora vem ao hospital vários e vários dias para escrever o que ele vai 'ditando'. No livro, ele tenta explicar como é estar na condição em que ele, naquele momento, se encontra: preso em seu próprio corpo, como se numa espécie de uniforme antigo e capacete de metal como os mergulhadores de altas profundidade usam (o escafandro); outros, ao seu redor, no entanto, acabam ainda vendo o seu espírito livre e vívido, como uma borboleta. Ao longo do filme vão sendo apresentadas lembranças e arrependimentos até o momento do AVE... Vão sendo apresentados também personagens que fazem ou fizeram parte de sua vida (a mãe de seus três filhos, com quem não chegou a se casar, amigos, amante, lembranças de seu pai, etc.). Aí vão se percebendo situações e analogias muito interessantes no filme, o que o torna muito grande, situações que são apresentadas como a mostrar que pessoas próximas e sem a mesma doença que a sua, ou com suas vidas aparentemente 'normais', na verdade apresentam o mesmo 'encarceramento' que ele: por exemplo, um amigo seu que foi sequestrado em Beirute e que é mantido em confinamento solitário por quatro anos, ou o seu pai, que, com 92 anos de idade, é confinado ao próprio apartamento devido a sua fragilidade e prefere não descer quatro lances de escada para sair dele. Ele acaba lançando o livro, escuta algumas críticas e acaba falecendo por complicações de pneumonia alguns dias após a publicação de sua obra.


Julian Schnabel

Mathieu Amalric

   No filme, ainda, o personagem se questiona, em um determinado momento, se aquilo que ele está vivendo é realmente vida, e acaba se convencendo de que sim. E a chegada a esta conclusão é o que funciona, de forma impressionista e tocante, como impulso no filme. Ele, muitas vezes, fantasia vôos à praia, situações eróticas com as profissionais de saúde que cuidam dele, lembra de estar fazendo a barba de seu pai... E estes vôos são a sua mente borboleta se apresentando, fazendo as viagens que seu corpo não pode fazer... No fim, o filme assombra, mas também inspira, pois mostra um homem que ama e deseja, e vemos ele se conectando com a sua própria humanidade. O filme, ao ser apreciado, nos lembra por que a arte perdura através do tempo: para nos dizer quem somos e do que vivemos.


Jean-Dominique Bauby (1952-1997)

Capa do livro Le Scaphandre et le Papillon, de 1997

   Numa outra forma de visualizar o filme, vê-se um indivíduo que é acometido por uma fatalidade mas que não poderá culpar a ninguém, nem mesmo a vida; ora, não foi uma bala perdida que o deixou tetraplégico, nem foi um motorista embriagado que quase lhe tirou a vida e lhe deixou incapacitado fisicamente... Não, foi uma outra fatalidade! Daí, será que vale a pena ficar enraivecido e desgostoso pelo resto dos dias? Acho que por isto o vemos muitas vezes rindo da própria situação no filme, ele encarando os fatos de forma não tão pesada como parece... E, quando ele diz sim à própria condição, e, sim, aquilo é vida, ele resolve cumprir um dos grandes objetivos da vida: se conhecer! E o livro acaba sendo seu grande legado neste mundo! No fim de tudo, a grande mensagem é: esta vida somente acaba quando se morre! Até que este dia chegue, até que aquele momento particular e bem definido se apresente diante de nós, podemos tudo! Tudo mesmo! E, mesmo que ainda não se tenha deixado um grande feito que o eternize entre os homens, a busca pelo conhecimento de onde você veio (a sua linha vertical, a sua linhagem) para se ampliar o alcance de sua relação com as outras pessoas (a sua linha horizontal) pode ser desenvolvida ao longo do tempo, e o grande fruto disto tudo pode ser deixado mesmo pouco antes de se perecer... Esta vida só termina com a morte! Antes disto, tudo é possível! Quando morreu, Bauby tinha 44 anos; e, considerando que ele tinha 43 anos quando teve o AVE, os eventos que acabaram culminando no seu legado para os homens se deram num período um pouco maior que um ano... Mas, como disse no começo desta postagem: isto é só uma ideia.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Led Zeppelin IV

   Um grande desafio se apresenta diante de mim. Ao longo de minha vida, percebo a influência marcante de uma música que ouvi pela primeira vez aos 8 anos de idade, e desde esta primeira vez que a escutei, sem fazer a menor ideia do que se tratava, senti um 'arrepio na espinha', mas também um chamado... Este convite me fez em vários momentos, ora mais intensamente e ora menos (como tudo na vida, existem ciclos em que se ouve mais ou menos algumas músicas, alguns discos), tentar entender o significado desta obra de arte, tanto da letra como da melodia em si. O problema é que, no mundo atual, altamente globalizado e com verdades 'incomprováveis' facilmente encontradas pela internet, os indivíduos podem achar que é fácil chegar ao conhecimento e que não existem mais gênios como existiu na época de grandes mentes do passado, onde tudo era mais difícil de se conseguir e se absorver, ou, pelo contrário, como acontece no Brasil, por exemplo, em que muitas pessoas tendem a achar que todo mundo é gênio... Basta fazer sucesso na livraria, no jornal, na mídia, dar uma entrevista para um programa de TV ou revista, pronto: tem-se um gênio! Deve-se ter muito cuidado com isto! Nos últimos tempos, em que tenho me dedicado intensamente a buscar o sentido das coisas, e tendo encontrado muitas respostas na arte e no trabalho, vejo que quanto mais leio, pesquiso e tento entender grandes coisas sobre a existência, mais me deparo com uma grande verdade: muito pouco sei das coisas... Tenho muito o que aprender! Sigo tentando, portanto! Mas, ao longo de minha tentativa de entender melhor a tal música, reforcei o meu conceito de grandiosidade do grupo Led Zeppelin, e os personagens principais desta postagem, o vocalista Robert Plant e o guitarrista Jimmy Page, são demasiadamente subestimados quando recebem um adjetivo como 'gênio'; não creio existir alguma palavra para designar o que são... Só posso dizer que estão muito acima disto! Se você, leitor, chegou até aqui, por favor, permita-me provar isto tudo, e se, ao final desta postagem, você não quiser ouvir com mais cuidado, carinho e respeito o quarto álbum da banda, temo que esta minha humilde tentativa de persuasão terá sido em vão... Ah, a propósito, quer saber de que música estou falando? Se você é um grande fã da banda, você já deve saber; se não é, direi no devido tempo!
   Antes de tentar explicar o que inspirou e motivou a criação deste álbum e, mais particularmente, 'daquela' música, deve-se entender que três são os pilares que o sustentam. O primeiro deles recai sobre a mitologia celta; o termo tem origem do grego keltoi e significa 'bárbaro'. Os celtas foram um grupo étnico e linguístico de sociedades tribais que existiram na Europa na Idade de Ferro (período arqueológico que sucedeu a Idade de Bronze), em que houve prevalência do uso do ferro. Eles falavam as línguas celtas e tinham cultura semelhante. Entre aproximadamente 750 a.C. e 12 a.C., os celtas foram o povo mais poderoso no norte, noroeste e porção central da Europa. Em todo o período da Idade de Ferro, que tem fim com a invasão da Bretanha pelos romanos em 43 d.C., e muitos anos antes de Julio Cesar conquistá-los, eles ocuparam muitas partes do continente europeu, especialmente onde hoje se encontra a Áustria, a Suíça, o sul da França e a Espanha; ao longo dos anos, foram se deslocando para porções mais ao norte, como França, Bélgica e, por fim, a Grã-Bretanha. O noroeste da Europa foi dominado essencialmente por três grupos celtas: os gauleses, os bretões e os gaélicos. Os remanescentes da arte em geral, como música, literatura (embora textos não tenham sido deixados do período da Idade de Ferro, mas dos períodos subsequentes), história e dança sobreviveram em algumas regiões da Europa em que se convencionou a denominação de nações celtas (é o caso da Escócia, Irlanda, Cornuália, Gales, Bretanha e a Ilha do Homem). Os celtas eram politeístas, e muitos dos deuses e divindades conhecidos vêm da descrição a partir da invasão dos romanos; muitos dos deuses e deusas não tinham forma imaginária humana até o período mais ao fim da Idade de Ferro. Os sacerdotes eram os druidas, que nas tribos celtas também eram os guardiões do conhecimento, os professores, os sacrificadores e os juízes. Muito do imaginário celta vem justamente dos ambientes e cenários em que construíam seus santuários, geralmente em lugares remotos, como colinas, bosques e lagos. Dois pontos são bem interessantes na religião celta: eram cultuados tanto deuses como deusas, e a triplicicidade era comum na cosmologia destes povos, e uma série de divindades eram vistas como tríplices (As Três Mães, por exemplo, que eram adoradas por muitas das tribos). Já na época medieval, a cristianização tem início com as invasões romanas logo após a conversão dos próprios romanos a esta religião; por exemplo, o padroeiro da Irlanda, Saint Patrick, foi um missionário que atuou intensamente na cristianização do país no século V d.C. Outra figura importante dentro da mitologia celta é a do bardo, que na cultura gaélica e britânica medieval era uma espécie de poeta profissional, muitas vezes músico, contratado por um nobre ou um monarca para louvar os ancestrais destes e as atividades desenvolvidas por estes em vida. 


Druida

Bardo

O Bardo, de John Martin (1817)

As Três Mães

Brigid (deusa celta do Fogo)

Canola (deus celta da Música)

Epona (deusa celta dos cavalos)

   
   As figuras acima servem para reforçar o imaginário da mitologia celta em ambientes naturais, colinas, cachoeiras, florestas, etc.. Um fato muito interessante é que o termo 'celta' passou a ser cunhado para esses povos a partir do século XVIII somente (os próprios romanos os chamavam de bretões, gauleses, etc.). Nos séculos XIX e início do XX, houve o que se convencionou chamar de celtic revival ('renascimento celta') em vários países do norte da Europa; foi um movimento multifacetado que apresentou grande força na Irlanda, onde se buscou, mais do que em qualquer outro país, uma reação à modernização e um reforço da tradição. Neste país, o movimento, representado especialmente na Literatura por William Butler Yeats, Lady Gregory, 'AE' Russell, Edward Martyn e Edward Plunkett, foi tão forte que no século XX o irlandês gaélico foi declarada (em conjunto com o inglês) língua oficial. Uma das maiores contribuições, entretanto, deste renascimento foi a reintrodução da cruz celta no mundo ocidental. 


Cruz Celta

William Butler Yeats (1865-1939)

Edward Plunkett (1878-1957)

'AE' Russell (1867-1935)

Lady Gregory (1852-1932)

Edward Martyn (1859-1923)


   Um outro legado importante da mitologia celta é o das fadas. Estas são criaturas que podem ter referência metafísica ou sobrenatural, e, por também fazerem parte de outras mitologias (anglo-saxã, nórdica), muitas vezes representam qualquer criatura mágica, como gnomos ou duendes; outras vezes, representam seres mais etéreos. 


Lily Fairy, de Luis Ricardo Falero (1888)


   Outro ser mitológico que tem importância fundamental nos escritos desta postagem é o do deus  (da mitologia grega; corresponde ao Fauno na mitologia romana). É o deus do selvagem, dos bosques, dos pastores e rebanhos, da caça, da música rústica, e está sempre com ninfas. Seu nome tem origem no termo 'pasto' e ele está ligado à fertilidade e à primavera. É sempre visto com uma flauta de cana; sua origem vem do amor do deus pela ninfa Syrinx, que ele conheceu quando esta voltava de um dia de caça. Tentando fugir de  e de seus elogios, ela chega até suas irmãs, que a transformam em cana. Um vento que soprou pela plantação de cana em que ela se encontrava fez ressoar um som melancólico que despertou mais ainda a paixão do deus, que desesperado e consumido, corta sete pedaços de cana por não saber qual deles era sua amada. Colocou os sete pedaços lado a lado em tamanhos progressivamente menores e criou o instrumento que leva o nome de sua amada: Syrinx. A partir de então,  raramente era visto sem esta flauta. Na Literatura inspirada no deus, moradores de vilarejos ficam em transe quando ouvem o som desta flauta, o que permite que sigam a conduta por ele desejada. 




Pã e Syrinx, de Nicolas Poussin (1637)

The Magic of Pan's Flute, de John Reinhard Weguelin (1905)


   O segundo pilar que sustenta a criação da música que descreverei mais adiante é uma figura sombria e mística que inspirou muitos grandes nomes na arte da música e da literatura: Aleister Crowley, nascido Edward Alexander Crowley em 1875, na Inglaterra, e falecido em 1947, também na Inglaterra. Ele foi um dos personagens mais enigmáticos dos últimos tempos, tendo se dedicado ao estudo da magia, ocultismo e tendo sido crítico social, poeta e dramaturgo. Fundou uma doutrina, ou religião (conforme a perspectiva), conhecida por Thelema, baseada nos dois preceitos fundamentais da chamada Lei de Thelema e descrito por ele no chamado Livro da Lei, publicado em 1904. Estes preceitos são: ´Faze o que tu queres, será o todo da lei´ e ´Amor é a lei, amor sob vontade´. Antes de continuar, gostaria de quebrar um paradigma; quando se fala em ocultismo é preciso que fique claro que não há qualquer referência a estudo de ceitas sombrias ou satânicas. Ocultismo seria o conjunto de teorias e práticas que têm por objetivo desvendar os segredos da natureza, do Universo e da Humanidade; não é reconhecido cientificamente porque o seu conhecimento não é baseado no método empírico, mas no que é sobrenatural e secreto, ou seja, em conjecturas metafísicas e teológicas, algumas tendo origem em povos da Antguidade Clássica. Sabe quem foi um grande ocultista? Um dos maiores poetas da língua portuguesa: Fernando Pessoa. Outro grande ocultista é o próprio Jimmy Page. O fato é que Aleister Crowley influenciou o mundo do rock clássico e pesado , tendo sido amplamente divulgado e seguido por nosso grande Raul Seixas (é só lembrar, por exemplo, da música ´Sociedade Alternativa´, que contém o verso ´Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei´). Ozzy Osbourne, grande mago do rock, intitulou uma de suas músicas mais famosas Mr. Crowley. Ainda, Jimmy Page, manteve um grande interesse por ocultismo e chegou a morar na antiga residência de Crowley, Boleskine House, localizada próximo do Lago Ness, na Escócia (Jimmy foi proprietário desta casa do início da década de 1970 até 1991 - ele morava nela quando começou a trabalhar  na música tema desta postagem), e a comprar uma livraria especializada em livros sobre o assunto no início da década de 1970 (The Equinox Booksellers and Publishers, na Kensington High Street, Londres); lá, divulgava abertamente a obra de Crowley. Acabou vendendo a loja posteriormente após o progressivo sucesso do Led Zeppelin. Outras doutrinas, filosofias e sabedorias também exerceram influência nos componentes da banda, em especial a dupla já citada (por exemplo: Cabala, Gnosticismo); o problema com estas vertentes místicas do conhecimento é que, também como já descrito, não se baseiam no empirismo, na comprovação ou observação, tendo toda uma atmosfera de sobrenaturalidade. Por isto, as interpretações de algumas de suas canções, especialmente neste álbum, podem tem interpretações tão misteriosas, dúbias, conflitantes e transcendentais. 


Aleister Crowley (1875-1947)

Fernando Pessoa (1888-1935)

Raul Seixas (1945-1989)

Ozzy Osbourne




Jimmy Page logo após comprar a Boleskine House


   Um último pilar importante em toda o misticismo que envolve o maior clássico de rock de todos os tempos é um autor extremamente importante no imaginário da Literatura Fantástica, o inglês John Ronald Reuel Tolkien. Para os menos iniciados, ele é conhecido por ter escrito a obra-prima máxima da literatura de ficção do século XX - O Senhor dos Anéis; para toda uma legião de admiradores e aficcionados, ele praticamente construiu toda uma ´nova´ mitologia para a Inglaterra inspirada nas lendas anglo-saxãs (apesar de alguns críticos acharem que parte do que está exposto em outra de suas obras, O Silmarillion, tem inspiração na mitologia celta, o próprio Tolkien nega isto). Um destes aficcionados e grandes admiradores foi ninguém menos que Robert Plant, o diferenciado vocalista do Led Zeppelin. Tolkien foi professor de Cultura Anglo-Saxã e, posteriormente, de Literatura e Língua Inglesa em Oxford. Apesar de toda a influência mitológica em sua obra, em uma cuidadosa revisão dos seus escritos pode-se perceber uma influência cristã e católica. A obra deste importante autor merecerá uma outra postagem neste blog, haja vista a minha devoção por sua obra, em especial pelo seu livro máximo (O Senhor dos Anéis); entretanto, por enquanto é válido salientar que toda a sua criação envolveu toda uma cultura para diversos povos que habitavam a chamada Terra Média, com linguagem, hábitos, canções, influências e habilidades próprias, como os elfos, orcs, humanos, anões, hobbits, gobblins e magos. A importância que o próprio autor dedicou a toda a sua obra é tão marcante e forte que, em O Silmarillion, ele chega a descrever a origem da Terra de uma forma mitológica própria, e todos os povos são apresentados com conflitos próprios, com um enriquecimento de características inerentes a cada um destes povos, e isto deixa um conteúdo profundamente alicerçado para uma leitura e compreensão consistentes da obra. É quase como se realmente tivesse existido. Nesta postagem, reservo-me o direito de expor somente o fato de sua grande influência ao referido vocalista... Isto tem grande importância no nosso raciocínio.


John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973)


Capa inglesa de ´O Senhor dos Anéis´


   Uma vez tendo concluído essa espécie de 'preâmbulo', o cenário inspiracional para a maior quintessência já criada, Stairway to Heaven , está dado. Entretanto, no devido tempo, chegaremos a ela. Para seguir uma sequência mais completa e coerente com o trabalho apresentado neste blog, tecerei alguns comentários sobre o disco e sobre cada música. Até este álbum, os discos da banda eram simplesmente designados por números - I, II, III, etc.. No quarto álbum, nenhum título foi escrito, então ele é conhecido por Led Zeppelin IV; alguns títulos alternativos acabaram surgindo, como ZoSo, Four Symbols, The Fourth Album, Untitled, Runes, The Hermit e ZOSO. O disco contém grandes sucessos da banda e é um dos álbuns mais vendidos no mundo, tendo sido agraciado 33 vezes com o disco de platina, baseado na certificação da Recording Industry Association of America (RIAA) e é o terceiro álbum mais vendido da história nos Estados Unidos da América (ficando atrás somente de Thriller, de Michael Jackson, e Their Greatest Hits 1971-1975, do Eagles). Foi gravado entre dezembro de 1970 e março de 1971, tendo sido lançado em 8 de novembro de 1971. Foram lançados somente dois singles do álbum, um com Black Dog e Misty Mountain Hop, lançado em 2 de dezembro de 1971, e outro com Rock and Roll e Four Sticks, lançado em 21 de fevereiro de 1972. O disco foi lançado um pouco mais de um ano depois do lançamento do terceiro álbum, que, apesar de contar com memoráveis músicas do grupo, como Immigrant Song, Celebration Day, Since I've Been Loving You (um dos melhores blues de todos os tempos), Gallows Pole e a primorosa Tangerine, foi recebido de forma controvertida pela crítica.
   Inicialmente, as sessões de gravação do álbum aconteceram na Island Records, em Londres. Mas, sob sugestão de um outro grupo, Fleetwood Mac, o grupo resolve se transferir para uma casa vitoriana remota, em East Hampshire, na Inglaterra, chamada de Headley Grange, para seguir nas gravações. A localização é mais bucólica, com jardins e cenários mais ao estilo século XIX, e, utilizando-se do estúdio móvel dos Rolling Stones (Rolling Stones Mobile Studio), eles tinham uma certa mobilidade pelos arredores dos local. Inspiração, portanto, não faltou! Das sessões de gravação deste álbum, foram compostas algumas canções essenciais da banda que acabaram não entrando neste álbum - foram Down By The Seaside, Night Flight e Boogie with Stu, que acabaram fazendo parte do disco Physical Graffiti, posteriormente.


Headley Grange

Jimmy Page em Headley Grange (mais recentemente)

Robert Plant em Headley Grange (ao lado do estúdio móvel)

Estúdio móvel dos Rolling Stones


   Um pouco decepcionados com as críticas ao terceiro álbum, os componentes da banda, especialmente Jimmy Page, decidiram não dar nenhum título ao novo álbum, afirmando que o título é algo sem importância para um disco; em vez de um nome para o álbum, portanto, o grupo preferiu usar quatro símbolos (como uma espécie de runa) que representasse cada um dos componentes. Jimmy foi o primeiro a cunhar um símbolo para si, e preferiu criar o próprio; o símbolo dele é, geralmente, designado por ZoSo, embora o guitarrista tenha dito em entrevistas que não se trata de uma palavra de fato, e geralmente não discorre sobre o seu significado, algumas vezes dizendo que não há nenhum (argumenta-se que o seu símbolo, na verdade, existe desde 1557 e representa Saturno). O baixista, John Paul Jones, escolheu o seu símbolo do Livro dos Símbolos, de Rudolf Koch; este símbolo é composto de um círculo simples envolvendo três vesica pisces (a bexiga do peixe - forma geométrica que surge da interseção de dois círculos), e representa uma pessoa competente e de confiança. O símbolo do baterista, John Bonham, são três anéis ou círculos em interseção, e foi retirado do mesmo livro; representa a trindade da mãe, do pai e do filho, mas também lembra o logotipo da cerveja americana Ballantine. O símbolo do vocalista, Robert Plant, foi desenvolvido também por ele mesmo, e é representado por uma pena dentro de um círculo; foi inspirado no suposto símbolo da civilização de Mu (continente que se alega tenha existido e que desapareceu sob o oceano em uma das era antigas da humanidade). Um último símbolo aparece no encarte em referência à terceira música, The Battle of Evermore, e foi criada pela vocalista convidada Sandy Denny; tem o formato de três triângulos que se tocam em uma de suas pontas e representa, no cristianismo, um velho símbolo da mente de Deus, além da qual nada se sabe.


Símbolos do disco - da esquerda para a direita, representam Jimmy Page, John Paul Jones, John Bonham e Robert Pant


Símbolo de Sandy Denny, em The Battle of Evermore 



Led Zeppelin (da esquerda para a direita: John Bonham, Robert Plant, acima, Jimmy Page, abaixo, e John Paul Jones)


   A capa do álbum contém uma pintura a óleo do século XIX e foi comprada por Robert Plant em uma loja de antiguidades em Reading, Berkshire, na Inglaterra. A pintura foi fixada numa parede coberta com papel, de uma construção de subúrbio parcialmente demolida, e a foto foi feita; segundo Plant, procurou-se criar uma dicotomia cidade/campo, e a mensagem final era a de que se deve cuidar da Terra, e não destrui-la ou empilhá-la. Dentro do encarte do álbum, há a ilustração do eremita (o nono arcano maior no tarot); na imagem, o personagem usa uma túnica que seria a representação do conhecimento do oculto. Nas mãos, segura um bordão, que representa a prudência, e uma lanterna, que representa uma espécie de sabedoria e fidelidade a si mesmo. O hexagrama (o de Salomão), alquímico, também conhecida por 'estrela dos magos', representa a união do humano com o divino, a capacidade de transformar a realidade segundo a própria vontade. Um fato interessante é que esta gravura que representa o eremita foi encomendada por Jimmy Page especificamente para o álbum, e dizem que, ao se espelhar a imagem, a figura da montanha abaixo do eremita, forma, na verdade, a imagem de 'Black Dog', primeira música do álbum. Ainda, dentro do encarte só está a letra de uma música do álbum: Stairway to Heaven; o formato das letras que a compõem foram contribuição também do guitarrista, que encontrou esse tipo de letra numa revista antiga, do final do século XIX - ele a mostrou a um profissional que desenvolveu todo o alfabeto no mesmo estilo, e escreveu a letra da música nesse estilo dentro do encarte.


Black Dog na Headley Grange

Capa de Led Zeppelin IV

Capa aberta de Led Zeppelin IV

Gravura com 'O Eremita', no encarte do álbum 

Carta do Tarot - 'O Eremita'


Gravura do encarte espelhada - a figura da montanha forma a cabeça de um cachorro: o Black Dog


   A primeira música do disco, Black Dog, tem um riff inicial contagiante e empolgante. Apesar de ser em guitarra, a ideia principal destes trechos de guitarra, exceto o solo, foi do baixista John Paul Jones (que, inclusive, teve tanto papel na composição da letra quanto Robert Plant). Este teve a ideia para a música após ouvir 'Electric Mud.', álbum de Muddy Waters; ele queria tentar uma espécie de 'Blues Elétrico' com alguns riffs recorrentes em baixo. A ideia dos versos cantados à capella da música recebeu influência de outra música, Oh Well, lançada pelo Fleetwood Mac em 1969. As partes com guitarra são ricamente densas, tendo sido usados quatro trilhas separadas do instrumento sobrepostas na gravação final. O título da canção veio justamente daquele cachorrinho preto da foto mais acima; era um cachorro preto sem nome que vagava pela Headley Grange durante as sessões de gravação do disco, e o título não tem nenhuma relação com o conteúdo da música em si. Bem no início da música, antes de entrar a voz de Robert Plant pela primeira vez, escuta-se Jimmy Page aquecendo sua guitarra. A voz é algo memorável, e Plant se apresenta numa de suas melhores performances. O papel emblemático de John Bonham foi o de quebrar o tempo proposto pelo baixista, e isso fez toda a diferença; além disto, como as partes cantadas, em sua maioria, não estão acompanhadas de instrumentos, percebe-se, ao fundo, a marcação do tempo por ele com suas baquetas. Esta música, de forma direta, e nas palavras de Plant, é 'algo para você cantar no banheiro quando quiser gritar muito'! Abaixo, deixo a versão original, uma versão ao vivo e uma versão de uma das músicas que a influenciaram - Oh Well (do Fleetwood Mac). Atenção, se você não é um grande fã do Led Zeppelin, após ouvir esta música, e principalmente a magnífica performance ao vivo, é muito provável, mas muito mesmo, que você jamais queira ouvir algo diferente! :)










 
 
   A segunda música, é altamente conhecida. Mais clássica, impossível. Rock And Roll, como o próprio nome sugere, é baseada numa das estruturas mais populares dentro do estilo, essencialmente a sequência de acordes que se repete a cada 12 compassos, o famoso 12 Bar Blues Progression (aqui, em Lá maior). Só por curiosidade, a expressão 'Rock and Roll' era usada por blueseiros com uma conotação mais sexual. Esta canção foi muito usada para abrir seus shows entre 1971 e 1975. A grande influência para o som da música veio de uma sessão em que a banda improvisava sobre Keep a Knockin', de Little Richard (o início da música do Led é muito parecido com o desta). O piano da música é tocado por um músico convidado, Nicky Hopkins, que inclusive já tinha participado em gravações do The Who, The Rolling Stones e The Beatles. A letra foi inspirada das duras críticas que o álbum anterior recebeu por não ser bem rock and roll, mas algo um pouco acústico, meio Folk; ao escrever a letra, Plant quis provar que a banda ainda podia fazer um excelente rock. Desde que John Bonham morreu, em 1980, o seu filho, Jason Bonham, algumas vezes tocou bateria em reuniões raras da banda; ele sempre considerou esta música a mais difícil de ser tocada das executadas por seu pai. Esta música é, sem dúvida, viciante! Puro Rock and Roll; impossível não gostar!!! É a essência mais autêntica do estilo! Deixo, mais uma vez, a versão de estúdio, uma versão ao vivo e a música do Little Richard que a influenciou no que diz respeito à ideia. Robert Plant é um dos maiores vocalistas da história do rock; não há a menor dúvida!!! :)











   A terceira música do álbum, The Battle of Evermore foi escrita por Plant após ter lido sobre a história escocesa. A letra faz referência à batalha sem fim entre a noite e o dia, o que também pode ser interpretado como sendo entre o bem e o mal. É totalmente acústica, apresentando uma trilha em que Jimmy Page toca um bandolin que pertencia a John Paul Jones; é, ainda, a única música da banda em que um vocalista foi convidado para a gravação, neste caso uma mulher, Sandy Denny, da banda Fairport Convention. A sua voz na música canta partes que representam o arauto da cidade, e a voz de Plant seria o narrador da história. Sandy morreu em 1978 de hemorragia intracraniana após cair de uma escada. Nas raras apresentações ao vivo desta música, John Paul Jones faz a voz da parte de Sandy. Aqui, a influência mitológica no álbum começa a aparecer. Deve-se notar que, ainda que o álbum não seja conceitual, ele é altamente místico e mítico. Muitos fãs de Tolkien vêem a letra como referência à Batalha de Pelennor, no livro O Retorno do Rei, da trilogia do Senhor dos Anéis; os versos 'the drums will shake the castle wall, the ring wraiths ride in black' são referências muito claras nesse contexto (Ramble On, uma música do segundo CD, também faz referência à obra do autor). Existem também alguns versos que mostram uma provável inspiração da mitologia celta, especialmente as partes que contêm as referências a Avalon; este termo quer dizer 'lugar com maçãs', e tem origem celta (acredita-se que Avalon seja um lugar sagrado dentro da mitologia celta que pode ter existido nas Ilhas Britânicas, e é muito descrito nas histórias sobre o Rei Arthur). Alguns versos o mencionam: 'I'm waiting for the angels of Avalon, waiting for the eastern glow. The apples of the valley hold the seeds of happiness'. É, por fim, uma música mais folclórica e acústica com conotação mística! Mais introspectiva, mas não menos brilhante! Deixo um vídeo abaixo da versão de estúdio.





   Ah, a quarta música! Esta é uma das maiores obras-primas em toda a história da música (por favor, reparem que escrevi da 'história da música', e não só do rock; não me refiro somente à questão do ponto de vista técnico, pois qualquer música que só seja reconhecida por ser tecnicamente elaborada, fatalmente irá atrair em maior número músicos profissionais, e não o público em geral, e a música não seria uma linguagem universal). Lembro de tê-la ouvida aos 8 anos de idade, como escrevi anteriormente, na novela da globo Top Model (era o tema de Gaspar, o personagem de Nuno Leal Maia); naquela época, a introdução da música, com aquela flauta e aquele som que lembrava algo antigo (embora eu não tivesse tanto discernimento assim dessas coisas), causava uma sensação de medo, embora com uma certa atração. A música mais famosa da história do rock, Stairway to Heaven, não foi projetada de forma mapeada porque nunca foi lançada na forma de single para o público em geral (somente algumas peças raras para rádios, que rapidamente se tornaram material de colecionador), que foi um cuidado que a banda teve (o álbum era mais importante que o single). Robert Plant, que escreveu a letra da música, ainda hoje é perguntado sobre o seu significado, e algumas vezes acha que a interpretação é diferente de acordo com o dia. A  melodia de Page e a voz de Plant tornam a música meio renascentista, trovadoresca, no início; você se sente caminhando por uma floresta, um bosque, em um momento do passado, e é altamente mística. Uma das poucas interpretações concretas que Plant apresenta é a de que a música é sobre uma mulher que acumula riqueza, nunca dando nada em troca, apenas para descobrir da forma mais difícil que sua vida não tem sentido algum e que esta riqueza não a levará ao paraíso, ao céu. A ideia da criação da música veio logo no início dos anos 1970, quando a banda procurava um novo épico para substituir Dazzed and Confused, música do primeiro álbum que era o carro-chefe dos shows até então. A letra veio até Plant em um flash de inspiração quando ele e Page estavam sentados ao redor da lareira na Headley Grange; Page dedilhou os acordes da introdução e Plant, que diz que estava de mau humor naquele momento, usou um lápis e um pedaço de papel e simplesmente escreveu algo; ao ver que tinha escrito os dois primeiros versos ('There's a lady who's sure all that glitters is gold / And she's buying a stairway to heaven'), ele se assustou ao perceber o que tinha saído de seu lápis, e quase levantou-se da cadeira - essa origem estranha e mística da criação da música levou muitos ouvintes a achar que existiam influências malignas por trás da composição (satanismo, etc.); obviamente, sempre que há mistério em algo, sobrenaturalidade, ocultismo, ou estranhezas como estas, tem-se uma tendência a pensar em um cunho de culto aos poderes do mal, essas coisas, aí começam a ver mensagens subliminares ao ouvir alguns trechos da música ao contrário, etc.. Francamente, não creio que essa obra-prima tenha qualquer alusão ao 'lado negro da força'; o mistério, o misticismo, referências ao ocultismo, levam a discussão muito ao longe, e as interpretações que surgem são inúmeras, e muitas vezes totalmente deturpadas... Para mim, a música é transcendental, inspiradora e cabal! E parece ter recebido mais a energia do divino do que qualquer outra coisa... Inclusive, o próprio Plant em várias entrevistas se diz muito triste pelo fato de muitos ouvintes acharem que ele colocou mensagens subliminares de cunho satanista na música; ele sempre disse que a composição teve a melhor das intenções, nunca a pior! E que servia para inspirar!


Stairway to Heaven


   Numa época em que as rádios dificilmente aceitavam tocar músicas com muito mais que 3 minutos de duração, Stairway to Heaven foi bastante executada, apesar de seus exatos 8 minutos e 3 segundos. Ao longo do tempo, tornou-se a música mais tocada na rádio FM americana. Para Jimmy Page, a canção cristalizou a essência da banda no seu melhor, como grupo musical, como unidade. John Paul Jones não toca baixo nesta música porque achou que pareceria uma canção em estilo folk; ao invés disto, ele adiciona uma sessão com cordas, teclados e flauta. Plant, como já comentado, é um grande admirador de Tolkien e de tudo o que é místico, além de lendas antigas da Inglaterra e dos escritos celtas (daí o preâmbulo nesta postagem); quando escreveu a letra desta música, ele estava imerso em dois grandes livros: O Senhor dos Aneis, de Tolkien, e Magic Arts in Celtic Britain, de Lewis Spencer. Uma referência à obra de Tolkien na música pode ser percebida, por exemplo, em 'in my thoughts I have seen rings of smoke through the trees' (é só lembrar do primeiro filme da trilogia, A Sociedade do Anel, quando Bilbo e Gandalf fumam nos bosques); outra referência pode ser percebida na rainha dos elfos, Galadriel, que habita a floresta de Lothlorien, e esta possui árvores e folhas todas douradas (então, tudo ao redor dela é dourado). A primeira vez que a música foi tocada, em 5 de março de 1971, na cidade de Belfast, Irlanda do Norte, não houve uma grande ovação à música; a plateia, habitantes de um país que era uma verdadeira zona de guerra à época, preferiu ouvir canções mais conhecidas, como Whole Lotta Love. A música ganhou maior notoriedade quando das turnês americanas. Um outro fato interessante é que, apesar de Page considerar esta a maior música da banda, uma verdadeira obra-prima, Plant considera Kashmir, do Physical Graffiti, e quando a banda terminou em 1980, em sua carreira solo Plant raramente executa a música (acredito, entretanto, que mais por uma questão de respeito ao papel da música na banda e porque ninguém conseguiu representar a canção tão bem em versões cover, e este seria o caso com qualquer um dos componentes da banda em carreira solo). Uma última curiosidade, a parte acústica do início da música é influência direta de uma outra música, chamada Taurus, de um grupo chamado Spirit; este grupo participou da primeira turnê do Led Zeppelin pelos EUA e tem conhecimento do certo plágio, mas se manifestaram favoráveis, sem qualquer repúdio quanto a isto. Veja vídeo de Taurus abaixo.





   Quando da análise interpretativa de um texto, podem existir pelo menos duas situações: interpretação do texto como algo que é possível e provável, posto que se baseia naquilo que pode ser encontrado no próprio texto, ou deturpação das ideias contidas baseando-se em projeções que o leitor faz do texto como um todo com conceitos de sua própria personalidade, e se baseia em algo que não pode ser encontrado no próprio texto. Em música, deve-se tentar analisar o texto como quem analisa um texto poético, e não um texto em prosa, posto que é muito mais metafórico do que literal na grande maioria das vezes. Baseando-se não em conceitos de minha personalidade, mas em pesquisas e audições sucessivas da canção, tentarei comentar um pouco sobre as ideias contidas na letra da mesma. Por conter uma atmosfera muito mais mística do que científica, por fazer referência a muitos temas sobrenaturais, é difícil se convencer totalmente quando se faz uma análise muito crítica; em música, há muito de emoção, e a análise da letra não foge ao conjunto desta com a cadência da melodia. Há muito sentido em algumas das interpretações que tenho pesquisado, e isto é reforçado quando da análise destas me deparo com um pensamento do tipo: - Puxa, concordo!
   A letra da música é assim: 'There's a Lady who's sure / All that glitters is gold / And she's buying a stairway to heaven / When she gets there she knows / If the stores are all closed / With a word she can get what she came for / Ooh Ooh And she's buying a stairway to heaven / There's a sign on the wall / But she wants to be sure / 'Cause you know sometimes words have two meanings / In a tree by the brook / There's a songbird who sings / Sometimes all of our thoughts are misgiven / Ooh It makes me wonder / Ooh It makes me wonder / There's a feeling I get when I look to the west / And my spirit is crying for leaving / In my thoughts I have seen rings of smoke through the trees / And the voices of those who stand looking / Ooh It makes me wonder / Ooh It really makes me wonder / And it's whispered that soon if we all call the tune / Then the piper will lead us to reason / And a new day will dawn for those who stand long / And the forests will echo with laughter -- > Entra a bateria <-- If there's a bustle in your hedgerow / Don't be alarmed now / It's just a spring clean for the May Queen / Yes there are two paths you can go by / But in the long run / There's still time to change the road you're on / And it makes me wonder / Your head is humming and it won't go / In case you don't know / The piper's calling you to join him / Dear Lady can you hear the wind blow, and did you know / Your stairway lies on the whispering wing -- > Solo <-- And as we wind on down the road / Our shadows taller than our souls / There walks a lady we all know / Who shines white light and wants to show / How everything still turns to gold / And if you listen very hard / The tune will come to you at last / When all are one and one is all / To be a rock and no to roll --> Epílogo <-- And she's buying a stairway to heaven...'
   Na primeira parte da música (antes de entrar a bateria), a 'Lady' poderia ser Yesod (o Fundamento, ou a Fundação), que na Cabala é o impulso primordial na busca pelo auto-conhecimento, é a nona esfera na árvore da vida; ela se encontra no pilar central da árvore, tem por virtude a independência e sua localização microcósmica são os órgãos reprodutores. Ela é a motivação inicial para a subida da Escada de Jacó, que também na Cabala é a escada da consciência do ser humano, do mais profano ao mais divino, até alcançar a realização. Na Alquimia há a idealização de que 'o que brilha é ouro', e o ouro seria o elemento primordial, e tudo tem potencial para se transformar no mesmo; aqui, tem-se uma concepção gnóstica da vida, e o 'ouro' representa o pneuma divino (a centelha divina) que está aprisionado no âmago do ser pela moral, pela razão e pela matéria em si. Ainda, tem-se que um dos símbolos da Alquimia é precisamente uma mulher segurando uma escada para o céu, que é o caminho para a felicidade plena, caminho construído com esforço próprio (a subida, deve ser, portanto, gradual).
   Uma outra concepção é a de uma espécie de magista, que no ocultismo é dotado de vontade tamanha que tudo pode conseguir com a expressão de apenas uma palavra, e ele consegue tudo o que quer mesmo que as 'portas estejam todas fechadas'. Na mitologia gnóstica, o mundo foi criado por um 'deus mal' (Demiurgo) que aprisionou as partículas divinas na matéria; quando morre, o homem poderá se libertar, transpor a matéria, mas para isto necessita saber de uma espécie de 'palavra-chave', que, se expressa incorretamente, o faz retornar à matéria - na subida, cada degrau tem uma 'palavra-chave', que é a própria vontade, e sua força.
   A seguir, a 'dama' precisa ter cuidado com aquilo que deseja, pois poderá conseguir, já que as palavras têm maior potencial que simplesmente a comunicação, e os símbolos sempre remetem a alguma outra coisa e apresentam mais de um significado; ainda, na Alquimia existe uma 'segunda linguagem', superior, e o que se faz é usar uma linguagem mundana para representá-la (o 'Ouro'). Sob estas concepções, os deuses seriam símbolos, imagens que representam elementos e potencialidades da humanidade, além do seu aperfeiçoamento. A linguagem dos pássaros seria uma linguagem superior, e o pássaro símbolo de Tot (Deus da Sabedoria) no imaginário egípcio antigo, que orienta o viajante ao longo do caminho.
   Nas ordens e mitologias já citadas, e em outras, o 'Oeste' representa o portal do tempo, o mundo exterior, material, Malkuth (a última safira da árvore da vida cabalística), enquanto o 'Oriente' é o nascer do sol, a luz (em alguns trechos das escrituras, Cristo, por exemplo, é referido como 'Oriente'). E ainda na gnose a morte é a libertação, e o oeste representa a morte. Os anéis de fumaça representam os ancestrais, a sabedoria dos antecessores, com especial ênfase na tradição xamânica de que o fumo é um ato de contemplação e de apreensão do conhecimento ancestral. A seguir, uma alusão claro a (como já explicado, o 'flautista'); Crowley compôs um poema chamado de 'Hino a Pã' (que foi traduzido para o português pelo grande Fernando Pessoa, como já citado, um grande ocultista), que trata do caminho da iluminação através da Árvore da Vida. Aqueles que persistem em sua vontade verão um 'novo dia nascer', e os ancestrais irão se regozijar com o sucesso do iniciado, da humanidade.
   Seguindo a letra, o narrador aconselha a se ter uma visão cósmica das coisas, e no processo cósmico universal alguns percalços podem ocorrer, mas não devem por fim à persistência do iniciado, que mantém a volição; no fim, 'um novo dia nascerá'. A seguir, o Inverno é, simbolicamente, superado pela Primavera - têm fim o frio e a esterilidade e surgem as flores e a fertilidade.  Trata, logo depois, da presença de dois caminhos e de que, no fim, sempre se é livre para mudar o percurso a qualquer momento (nunca se é obrigado a ir até o final uma vez escolhido um caminho). E o flautista chama o ouvinte a segui-lo, e a música o guia pela Árvore da Vida em direção à Luz - mas a mensagem existencial é de Liberdade (parafraseando Jean-Paul Sartre: 'o ser humano foi condenado a ser livre'). E há ainda a força que se dá na referência ao ar, e na Árvore da Vida da Cabala, o caminho que conduz a Deus (Kether, a coroa) é representado por este elemento. O poder transcendental do simbolismo é percebido nas coisas que são construídas apenas com a vontade, como o amor, por exemplo, que é como algo metafórico, como uma escada sem tijolos, ou seja, puro ar (não é físico, ou palpável).



Jean-Paul Sartre (1905-1980)


   Na parte após o solo da música, percebem-se outras influências ocultistas; baseando-se nestas, as 'sombras' seriam aspectos negativos da nossa alma que nos atrapalham na realização da vontade (por exemplo, o dinheiro é uma sombra nossa, e não nossa essência; mesmo assim, muitos vivem para o dinheiro, pelo dinheiro, e esquecem de suas essências, de si, do auto-conhecimento, do auto-aperfeiçoamento). Nos últimos versos, a interpretação gnóstica baseada em duas 'tendências' é mais plausível (sempre o embate Céu x Inferno, Deus x Diabo), e deve ser considerada. Para um seguidor de Crowley, por exemplo, a concepção de que Deus 'escondeu' a Luz, o conhecimento, do homem (proibiu que o homem comesse do fruto no Jardim do Éden porque assim teria conhecimento do bem e do mal, e este era um conhecimento que deveria pertencer somente ao ser supremo) é mais coerente para a letra desta música (Page e Plant, principalmente o primeiro, estavam em pleno descobrimento da obra de Crowley, do ocultismo). E aí surgem várias metáforas possíveis de que a 'Lady' de que fala o narrador é aquela que quer mostrar esta Luz, este conhecimento, que libertaria o homem, em vez de aprisioná-lo. O poder da música é justamente clamar por essa liberdade, do auto-conhecimento. E se forem ouvidos atentamente o canto dos pássaros, o som do flautista, ultrapassa-se o 'Abismo' e chega-se  à ordem (é a confrontação de 'ser uma rocha' e não 'rolar'; ora, a matéria caracteriza-se justamente por ser dinâmica, permanentemente em movimento, enquanto o espírito é perene, assim ser uma rocha, ser matéria, e não rolar, ocorre somente para aquele que persiste no caminho, na sua vontade, e não sofre influência de forças exteriores porque é completo, e o que conquistou é algo sólido). Para a Gnose, no fim de tudo, seremos 'Um', tudo, como Deus, aí não mais estaremos evoluindo, seremos 'fixos', e teremos chegado ao fim da escada.


O 'fim da escada'- mais místico e transcendental, impossível!


   Por 'esta' interpretação, que é muito mística, baseado em sobrenaturalidade, e muito marcante, digna de nota realmente, Stairway to Heaven é realmente uma obra de arte. Ela expressa o brilho, o potencial de cada alma humana e a vontade de ser livre, e chega a atingir a centelha divina. E a melodia tem uma cadência altamente consistente com a letra: a música começa lânguida, melancólica, sentimental, passa para um nível sensual para no fim chegar a um poder que parece colocar o ouvinte num nível puramente espiritual, separado do restante de forma fortemente transcendental - cumpre, por fim, sua premisa de 'escada para o Paraíso', e o ápice final expressa perfeitamente em forma de musical o significado da letra. É, sem a menor dúvida, uma das maiores preciosidades na história da música, uma das músicas mais absorventes e místicas que poderão ter existido sobre este universo... (Aqui, pesou a emoção! :)).
   Sabe de mais um fato interessante? Apesar de Jimmy Page ser mundialmente reconhecido por fãs e adoradores de guitarra do mundo todo e ídolo na Gibson Les Paul Standard Sunburst (um dos modelos de guitarra mais amado no mundo), ele gravou o solo de Stairway to Heaven com uma Fender Telecaster (de 1958 ou 1959, dependendo da fonte de pesquisa) que ganhou de presente de Jeff Beck, outro grande guitarrista (tocaram juntos em uma das antigas bandas de Page, o Yardbirds). E, além disto, para as versões ao vivo da música a partir de 1971, Page encomendou uma outra guitarra, a Gibson EDS-1275 (a famosa guitarra de dois braços, em que o braço de cima contém doze cordas e o de baixo contém 6), que foi entregue em tempo recorde e entrou para a posteridade como a guitarra que consagrou estas versões oníricas em shows. Aliás, o solo da música está entre os 3 melhores solos de guitarra do mundo do rock em qualquer classificação que você pesquisar! Não conheço ninguém que toca guitarra, que se inspirou no rock, que não tenha querido aprender a tocar este solo... Ninguém!


Jimmy Page e sua Fender Telecaster da época dos Yardbirds

Jimmy Page e sua Gibson Les Paul Standard Sunburst (marca registrada do mito)


Jimmy Page e sua Gibson EDS-1275, a Doubleneck (eternizada nas versões ao vivo de Stairway to Heaven)


   Por tudo isto, acho que talvez deva ter escrito muito pouco diante do imenso apreço que eu (e bilhões de pessoas) tenho por esta obra-prima do Firmamento musical. Eterna, sem dúvida! Deixo duas versões, a de estúdio e uma ao vivo. A versão ao vivo é antológica!!!!!!



 


 

   A quinta música do álbum se chama Misty Mountain Hop. Robert Plant relata uma vez em que esteve sob custódia da polícia por ter ficado até tarde no Hyde Park, em Londres, por 'vadiagem' na grama com os amigos. Na música, novamente percebe-se a referência às Misty Mountains ('Montanhas Enevoadas') da obra de Tolkien (aparece tanto em O Hobbit como em O Senhor dos Anéis). Na música, a fuga para as montanhas é um apelo à liberdade em uma forma de vida como a vivida pelos hippies. Há referências reais a estas montanhas no País de Gales. A música tem uma levada animada e John Paul Jones toca piano elétrico; a música é notável ainda pelas guitarras sobrepostas e pelas partes com teclado, e a performance de John Bonham à bateria é uma das mais sólidas nas gravações em estúdio. Esta música era frequentemente apresentada ao vivo juntamente com Since I've Been Loving You, do álbum anterior. Deixo a versão de estúdio e uma versão ao vivo da música.








The Misty Mountains


   A sexta música, Four Sticks, recebe este nome por causa do modo como o baterista, Bonham, executa sua parte na música: ele toca a bateria com quatro baquetas, duas em cada mão. A decisão de Bonham de tocar assim veio de sua frustração de várias tentativas infrutíferas de gravar a música quando ainda nas sessões no Island Studios; ao pegar o segundo conjunto de baquetas e bater na bateria o mais forte que podia, ele obteve o take perfeito para a música, e esta versão foi a mantida. A música foi escrita por Plant e Page enquanto em viagem pela Índia. Em toda a carreira da banda, foi tocada ao vivo somente uma vez, na Dinamarca, na década de 1970, na turnê europeia. Os vocais foram altamente processados e receberam um som eletrônico; sobre isto, Page comenta que os vocais foram assim trabalhados para que parecesse abstrato. Na música, John Paul Jones toca um sintetizador VCS3. A letra é meio surreal, com simbolismo de difícil elucidação. Mas, ao ouvi-la em alto e bom tom, rapidamente se vicia no riff e na batida. Veja a versão de estúdio abaixo num vídeo com algumas fotos da banda.




 
   A sétima música é uma das pérolas do disco. Going to California é uma música acústica primorosa, com sons de bandolim, tocado por John Paul Jones, e um violão brilhantemente executado por Page. A música foi inspirada em California, de Joni Mitchell, de quem Plant e Page eram grandes fãs. A canção trata da busca por uma mulher e surgiu de um poema escrito por Page num caderno. Em uma das partes da letra, que diz 'To find the queen without a king, they say she plays guitar and cries and sings', em algumas versões ao vivo Plant cita o nome de Joni. Se bem observada, a letra tem referências à mitologia celta e anglo-saxã, com as descrições bucólicas. É, ainda, outra referência à cultura hippie em voga à época, embora tenha passado a perder popularidade nos EUA durante a década do disco (década de 1970). As apresentações ao vivo são sempre apresentadas com uma belíssima performance de Plant, que a apresenta com uma voz calma e suave. É estarrecedor. Esta é uma das melhores músicas da banda, sem dúvida. Deixo a versão de estúdio e uma versão ao vivo. A seguir, o vídeo de California de Joni Mitchell numa grande performance ao vivo.











   A última música do álbum, When The Levee Breaks, é baseado num blues gravado pela primeira vez em 1929 pelo casal Kansas Joe McCoy e Memphis Minnie, e a música é inspirada na revolta social causa pela inundação do grande Mississippi em 1927. Na época, os trabalhadores afro-americanos das plantações tiveram que trabalhar no dique sob mira de armas, pilhando sacos de areia, para salvar as cidades vizinhas. Quando o dique quebrou, aos negros não foi permitido deixar a região, e foram forçados a trabalhar no socorro às vítimas e na limpeza dos destroços, vivendo nos campos com acesso limitado aos suprimentos que chegavam. Muitos deixaram a área na primeira oportunidade que tiveram, pois não mais restou trabalho no Delta do Mississippi após a destruição das plantações. Esta foi uma música muito difícil de mixar, e em cada verso os vocais eram processados diferentemente; a gaita foi gravada com a técnica de eco reverso. O filho do grande Bonham, o também baterista Jason Bonham, disse em entrevistas que no início da música se escutava a bateria dos deuses, afirmando que poderia ser executada em qualquer lugar que saberiam que se tratava da bateria de John Bonham.





   Bom, por tudo isso que foi escrito, este é um dos álbuns mais memoráveis da história do rock, e mesmo da história da música. Todos os pilares que foram expostos inicialmente se encaixam na ideia do disco, ora de forma mais importante, como se percebe em Stairway to Heaven, ora menos importante, embora não se trate de um disco conceitual. Com referências ao ocultismo, mas sobretudo a uma forma de sobrenaturalidade, é uma compilação de músicas eternas e que fazem parte da vida de muitos dos habitantes do planeta. Você pode ouvir Stairway to Heaven um milhão de vezes e parece que cada vez há um novo significado, não parece cansar o ouvido e saturar a mente pela repetição; expressa essencialmente os clamores da libertação da alma humana. Embora não tenha visto apresentações ao vivo da banda em minha vida, já que nasci quando o grande Bonham já tinha falecido e o grupo não mais existia, 2012 foi um ano excelente no reforço à minha devoção pelos gigantes do Led Zeppelin. Neste ano, tive oportunidade de assistir, em São Paulo, ao show da banda cover oficial deles, reconhecida inclusive pelos integrantes vivos do Led, ou seja, Plant, Page e Jones. Esta banda cover se chama Letz Zep e tocou no Via Funchal; vê-los executar caracterizados Stairway to Heaven e Kashmir é algo de que jamais esquecerei. Mas o melhor veio ao final, e exatamente no dia do meu aniversário, aos 22 de outubro, também este ano, o grande vocalista Robert Plant tocou em São Paulo e, obviamente, estava eu lá... E enquanto assistia ao show, tentava imaginar como deveria ter sido ir a um show do Led Zeppelin no passado... It really makes me wonder... Por fim, 2012 foi um excelente e inesquecível ano para mim... Jamais vou esquecer de tudo o que se eternizou profundamente em meu espírito! Uma boa semana a todos!


Letz Zep, banda cover oficial do Led Zeppelin

Letz Zep executando Stairway to Heaven com a doubleneck

Robert Plant atualmente